Exposição de fotografia “Visões do Império” inaugurada sábado em Lisboa
A exposição de fotografia "Visões do Império", inaugurada no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, mostra como a fotografia serviu para disseminar a ideia de como os portugueses administravam e mantinham vastos territórios.
A exposição é comissariada pela realizadora Joana Pontes e pelo historiador Miguel Bandeira Jerónimo, e partiu do documentário “Visões do Império”, estreado no ano passado no Festival DocLisboa.
Nesta mostra, patente até 30 de dezembro, encontram-se fotografias de várias coleções públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, que foram produzidas por entidades oficiais portuguesas, mas também particulares e dos movimentos que lutaram pela descolonização, disse Joana Pontes.
As fotografias são provenientes do Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Biblioteca Nacional de Portugal, Arquivo da Universidade de Coimbra, da Liga dos Combatentes, do Santuário de Fátima, ou do Centro de Documentação e Formação Fotográfica, de Maputo, assim como da Fundação Mário Soares/Maria Barroso, Arquivo & Museu da Resistência Timorense, Arquivo Histórico de São Tomé e Príncipe e de coleções particulares, “nomeadamente dos militares” que prestaram serviço naqueles territórios que estiveram sob administração portuguesa.
A exposição abrange todos os antigos territórios ultramarinos portugueses, destacando-se Moçambique e Angola, e através da fotografia a ideia que se pretendia passar “era a de Portugal como ‘civilizador’, protetor, ou promotor de desenvolvimento, já na década de 1950”, disse Miguel Bandeira Jerónimo.
O historiador referiu, a título de exemplo, uma fotografia de uma sala de aula em que o professor é negro e os alunos são todos brancos, “uma demonstração de tratamento racial igualitário no acesso profissional”.
Uma das divisas da ditadura do Estado Novo era a de Portugal como “nação multiracial”.
Há também as fotografias das grandes obras públicas como estradas, viadutos e pontes ou, “por exemplo, o grande porto da Beira [no norte Moçambique], construído com dinheiros do Plano Marshall, visto como um sinal de apoio dos Estados Unidos à política portuguesa”.
Joana Pontes realçou, por seu turno, o papel do catolicismo, referindo as imagens de uma viagem da Virgem peregrina de Fátima às ex-colónias.
A mostra divide-se em oito núcleos, cada núcleo contextualizado por “textos claros” de académicos, mas também com comentários de diferentes personalidades como Telma Tvon, Catarina Mateus, Cláudia Castelo, Carmen Rosa, José Pedro Monteiro, Myriam Taylor, Nuno Domingos, Afonso Ramos, Mia Couto e Aniceto Afonso, terminando com uma instalação de Romaric Tisserand.
As fotografias selecionadas para a exposição são de diferentes momentos e sobre várias temáticas, da ciência ao trabalho, passando pelos hábitos, usos e costumes culturais de cada povo.
Neste sentido, há fotografias de expedições científicas como a do investigador Luís Carrisso (1886-1937), que fundou o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra e que captou imagens das espécies botânicas das ex-colónias para serem usadas no estudo dos liceus portugueses, contou Joana Pontes, que referiu uma outra imagem, do almirante Gago Coutinho a delimitar a fronteira de Angola, colocando um marco.
“Procurou-se ilustrar os diferentes olhares”, sublinhou Bandeira Jerónimo, referindo que as “imagens oficiais” são contextualizadas.
Outra fotografia citada pelo historiador foi captada na Guiné-Bissau e mostra “os africanos a colocarem capas para os governadores portugueses, vestidos de branco, passarem”.
Na opinião dos dois curadores, “a fotografia foi um elemento fundamental da história do moderno colonialismo português”, sem a qual “a idealização e o conhecimento sobre os ex-territórios coloniais, os seus recursos e populações, teriam sido manifestamente diferentes”.
Bandeira Jerónimo salientou que as fotografias, muitas vezes “foram encenadas e, posteriormente, divulgadas e alimentaram a imaginação da dominação colonial, concorrendo para a sua concretização, ajudaram a moldar uma visão do ‘outro’ como essencialmente diferente, nos seus costumes e mentalidades”.
As fotografias, referiu o historiador serviram também para “denunciar a iniquidade e a violência da colonização, acalentando aspirações de um futuro mais humano e igualitário, sonhos com diferentes matizes e orientações políticas”.
A mostra, no Padrão dos Descobrimentos, monumento que celebra a expansão marítima portuguesa dos séculos XV e XVI, conta com “mais de cem imagens” divididas em múltiplos núcleos.
Joana Pontes é licenciada em Psicologia pela Universidade de Lisboa e estudou Cinema na Escola Superior de Teatro e Cinema, na RTP e na BBC. Em 2003, concluiu o Programa Avançado em Jornalismo Político na Universidade Católica de Lisboa.
Em 2018, doutorou-se em História na especialidade de “Impérios, Colonialismo e Pós-Colonialismo”, pelo ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. A sua dissertação, “Sinais de Vida, Cartas da Guerra 1961-1974”, foi publicada em 2019 pela Tinta da China e foi distinguida com Prémio da Academia Portuguesa da História/Fundação Calouste Gulbenkian para a História Moderna e Contemporânea.
Miguel Bandeira Jerónimo é licenciado em História pelo King’s College, da Universidade de Londres, e atualmente é professor na Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais desta universidade.
Recentemente, publicou, em coautoria, “História(s) do Presente” (2020) e coeditou “Internationalism, Imperialism and the Formation of the Contemporary World” (2017) e “Os Impérios do Internacional” (2020). Coordena o projeto internacional “The worlds of (under)development: processes and legacies of the portuguese colonial empire in a comparative perspective (1945-1975)”.
Fonte: Lusa