Diogo Infante regressa ao palco do Teatro da Trindade com “O amor é tão simples”
O papel da fama, do amor e do próprio teatro são temas de reflexão na peça “O amor é tão simples”, de Noël Coward, que estreia na quinta-feira no Teatro da Trindade, em Lisboa.
Encenada e protagonizada por Diogo Infante, diretor artístico daquele teatro, “O amor é tão simples” é uma comédia com um lado “trágico-cómico” que agradou “particularmente” ao também ator.
Escrita em 1939 por Noël Coward e posta em palco três anos depois, interpretada pelo próprio, a peça é considerada a mais autobiográfica do autor britânico na qual quis escrever um “papel de bravura para si próprio, onde projetou a sua essência, os seus gostos, as suas contradições e todo o seu egocentrismo”, disse Diogo Infante no final de um ensaio para a imprensa.
“Mas fá-lo de uma forma muito inteligente, parece-me, sofisticada e com um sentido crítico”, acrescentou, sublinhando que “há vários anos que namoriscava” Noël Coward, ainda que a peça que mais o atraía fosse “Private lifes” (“Vidas íntimas”, na versão portuguesa dos Artistas Unidos), mas que não “se proporcionou”.
Acabou por ser Sandra Faria, da Força de Produção, que coproduz o espetáculo, a desafiar Diogo Infante a pôr em palco “Present Laughter”, no título original, e a ideia acabou por se concretizar depois de Diogo Infante ter visto a peça, com o filho, no teatro Old Vic, em Londres, e este ter dito ao pai que “devia fazer isto”.
Ao que o pai lhe respondeu: “Pois, se calhar, se calhar está na hora, já tenho idade. Ou ainda tenho idade”.
Depois – a peça devia ter subido ao palco há mais de ano e meio e foi “empurrada” para agora devido à pandemia de covid-19 -, seguiu-se um trabalho de tradução e de adaptação, bem como de uma “escolha cirúrgica do elenco certo”.
Atores que, do ponto de vista humano, lhe deram também “a energia positiva de que precisava para se aventurar a dirigir e representar em simultâneo” a personagem de Guilherme de Andrade.
O ‘timing’ acaba por ser “uma circunstância feliz” numa altura em que Portugal começa a ‘desconfinar’ e que põe Diogo Infante em palco depois de um último papel “muito escuro e muito pesado [Ricardo III]”, pelo que se torna muito “prazeroso” interpretar agora uma personagem que permite pôr as pessoas “de sorriso na cara”.
Em palco, na sua casa, Guilherme de Andrade lida com a sua comitiva: a secretária, a sua ex-mulher, uma jovem atriz apaixonada e cheia de ambições, um desequilibrado aspirante a dramaturgo, a mulher do melhor amigo determinada a seduzi-lo, o seu agente, o seu produtor, o mordomo e a governanta.
O que Diogo Infante encara como paradoxal neste texto é o esconder de uma ironia, já que “apesar de o protagonista ser muito amado, ele esconde uma profunda solidão”.
“Eu acho que ele vive aqui um trajeto solitário, se pensarmos no Noël Coward não é difícil perceber porquê, ele era um homem assumidamente gay, mas vivia numa época em que a homossexualidade era crime”, frisou Diogo Infante, acrescentando que o autor deixou passar no texto “subtilezas, umas dicas, pois é uma espécie de um segredo muito bem guardado, mas que toda a gente sabe só que ninguém fala dele”.
Também isso pareceu atual ao encenador e intérprete, acrescentando mais razões para fazer a peça.
“O amor é tão simples” é também uma comédia mais melancólica, que fala do teatro, o que foi “evidente” a Diogo Infante, até porque é um tema que lhe é “caro”.
“Há muitos anos que me debato exatamente com esta questão, por um lado sempre defendi que era possível fazer um teatro mais transversal, mais abrangente, mais para o grande público, mais ´mainstream` de qualidade e o Nöel Coward nos anos 1940 já se debatia com essa questão”, frisou a propósito.
Autor prolífero e de sucesso ao longo de duas décadas, havia uma certa intelectualidade que achava que as suas peças eram muito leves e muito irrelevantes. E, portanto, Coward aproveitou este espaço para fazer uma “contra-crítica” à crítica de que foi alvo, segundo o diretor do Teatro da Trindade.
“É uma velha discussão: há espetáculos bons e há espetáculos maus, há uns que têm sucesso, há outros que nem por isso, é evidente que há espetáculos que são mais dirigidos para minorias, que são os espetáculos mais alternativos, são mais experimentais e a sua natureza cabe num determinado espaço que não é o deste caso”, afirmou.
Por isso, não interessa a Diogo Infante “alimentar polémicas”, mas antes fazer um espetáculo que as pessoas “vão ver e se divirtam” sem que se torne numa coisa de “escorregar na casca da banana” e “deixar cair o tom”.
Com tradução de Ana Sampaio, a peça vai estar em cena na sala Carmen Dolores até 03 de abril, com sessões de quarta-feira a sábado, às 21:00, e, ao domingo, às 16:30. No dia 27 de março haverá uma conversa com o público.
A interpretar estão Ana Brito e Cunha, Ana Cloe, António Melo, Cristóvão Campos, Flávio Gil, Gabriela Barros, Miguel Raposo, Patrícia Tavares e Rita Salema.
A cenografia é de F. Ribeiro, o desenho de luz de Paulo Sabino, os figurinos de José António Tenente, a música de Nuno Rafael e Filipe Melo e a letra de Rui Melo. O espetáculo tem hoje um ensaio solidário, cuja receita reverte na totalidade a favor da Mansarda.