“Orlando” quer ser um “tratado sobre dignidade humana” inspirado em Virginia Woolf
A peça “Orlando”, em cena a partir de quinta-feira no Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, quer ser um “tratado sobre dignidade humana”, uma “força de combate” à noção de género, como forma de “produção de poder”.
Na altura da estreia da peça em Guimarães, em dezembro último, Albano Jerónimo, que dirige o espetáculo, realçou à Lusa que o drama escrito por Cláudia Lucas Chéu, a partir do livro “Orlando: uma biografia” (1928), de Virginia Woolf, e do atentado na cidade norte-americana de Orlando, em 12 de junho de 2016, que causou pelo menos 49 vítimas mortais, num espaço de diversão noturna frequentado pela comunidade LGBTQIA+, tem um “prólogo e três atos”, sobre um período de “violência extrema”, centrada na “discriminação”, que deveria ser de “tolerância e aceitação”.
“Este espetáculo consiste em pegar não só nas questões de género do próprio romance pós-modernista que Virginia Woolf nos traz até estes tempos, mas também em desenvolvê-lo para um tratado sobre dignidade humana”, salientou o encenador e ator da companhia Teatro Nacional 21, que produz o espetáculo.
Cláudia Lucas Chéu, autora do texto, disse à Lusa que esta trata, numa primeira parte, da reconstituição da obra original, cuja ação se centra na história de um nobre que vive 350 anos, 300 dos quais, depois, em mulher, porque originalmente é um homem – uma obra em que Virginia Woolf aborda “uma espécie de pré-feminismo” e “em que trata da questão de desconstrução dos géneros de uma forma extremamente atual”.
Por isso, a autora considerou “pertinente” pegar neste texto, “que faria todo o sentido até no percurso da companhia”, e “transformá-lo” a partir do tema original, “que é extremamente atual”, voltando um pouco à Grécia Antiga, e depois até ao presente, “ligando-o a uma própria biografia dos elementos da equipa da Teatro Nacional 21”.
Isto porque, toda a equipa que interpreta “Orlando” pertence à comunidade LGBT, e a construção do texto “esteve muito ligada aos próprios percursos das pessoas que fazem parte deste grupo”, assinalou a dramaturga.
“E, portanto, foi uma ligação íntima entre o texto original e estas pessoas que vivem agora no século XXI e defendem, precisamente, a questão que se coloca no original de Virginia Woolf”, sublinhou Cláudia Lucas Chéu.
Apesar da orientação sexual estar também plasmada em “Orlando”, é a identidade de género que é enfatizada nesta peça, à semelhança da obra em que se inspirou.
Um século depois de Virgina Woolf ter escrito o texto original, Cláudia Lucas Chéu está convicta de que a autora, se o fizesse hoje, “certamente que escrevia outro texto, mas assim não tão distante daquilo que escreveu no início do século XX”, frisou.
Já Albano Jerónimo, na altura da estreia, referira que o texto é “fiel em praticamente 90%” à obra de Virginia Woolf, que narra a ‘viagem’ de um poeta que muda do sexo masculino para o feminino através da história da literatura inglesa, com 11 atores a interpretarem 20 personagens, numa “teia dramatúrgica” que procura exprimir uma mensagem de “resistência” ao “poder”.
“Queremos ser uma força de combate. Esta narrativa vai misturar ficção e a perspetiva do atentado de Orlando, sendo uma tentativa de refletir sobre o facto de o género não ser uma essência, nem uma construção social, mas uma produção do poder. [A peça] é uma crítica dessas categorias de identidade, especificamente da identidade enquanto fundamento da ação política”, acrescenta.
O “Orlando que estará em palco”, diz ainda o encenador, será um protagonista “nobre, sofisticado e sensível”, como exemplo das “qualidades intelectuais e abstratas da pluralidade do homem”, numa “biografia ficcionada” que procura estimular a “reflexão”, o “desafio” e a “provocação” num “espectador emancipado”.
“A encenação remete-nos para uma perversidade poliforma sonhada, quer na recusa, quer na paixão angustiada, quer na transformação da beleza, nas representações singulares da fisicalidade corpórea”, descreve.
A peça explora ainda a “relação performativa entre a despersonalização e a personalização corporal”, a partir de “abordagens críticas como a psicanálise, a fenomenologia, o feminismo e a teoria ‘queer’”, disse Albano Jerónimo.
Na Sala Garrett, em Lisboa, “Orlando” vai estar em cena até 09 de abril, com récitas de terça-feira a sábado, às 19:00, e, ao domingo, às 17:00.
No dia 03 de abril, a sessão terá interpretação em Língua Gestual Portuguesa e, no final do espectáculo, haverá uma conversa com os artistas.
Com dramaturgia de André Tecedeiro, Albano Jerónimo, A. Baião-Pinto e Cláudia Lucas Chéu, interpretam o espetáculo André Tecedeiro, Aurora Pinho, Cláudia Lucas Chéu, Diego Bragà, Eduardo Madeira, Luís Puto, Madalena Massano, Maria Ladeira, Pedro Lacerda, Rita Loureiro e Solange Freitas.
Francisca Jerónimo, filha da dramaturga e do diretor, terá uma participação especial em vídeo no final do espetáculo.
O movimento e os figurinos são de Carlota Lagido, o espaço cénico, de Tiago Pinhal Costa e, a composição musical, de Rui Lima & Sérgio Martins .
“Orlando” é uma produção conjunta da companhia Teatro Nacional 21, Centro Cultural Vila Flor – Guimarães, Casa de Artes de Vila Nova de Famalicão, Teatro Municipal do Porto, Teatro Nacional D. Maria II, Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana e Centro de Artes de Águeda.