Combinação de tratamentos controla câncer sem causar efeitos negativos
Terapia gênica aumenta eficiência da quimioterapia e reduz dosagem de droga no tratamento.
A quimioterapia, que é o uso de fármacos para controlar tumores cancerígenos, possui muitos efeitos adversos que debilitam o paciente e prejudicam as defesas naturais do organismo. Pensando em contornar esses efeitos, pesquisadores da USP combinaram a quimioterapia com a terapia gênica, que utiliza vírus para levar até as células dos tumores um gene capaz de alterar seu funcionamento, tornado-as mais sensíveis ao efeito dos fármacos e impedindo que cresçam e se multipliquem.
Experimentos com animais mostraram que a combinação aumenta a eficácia da quimioterapia para bloquear o crescimento de tumores de próstata, permitindo a redução da dosagem das drogas usadas no tratamento e a eliminação dos efeitos negativos. As pesquisas foram realizadas no Laboratório de Vetores Virais do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), ligado à Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Testes em pacientes com câncer vão definir como prever a utilização da terapia combinada com a imunoterapia, tratamento que estimula as defesas naturais do organismo.
A terapia gênica utiliza vírus como veículos de entrega de genes que, ao chegarem às células dos tumores, impedem seu crescimento. “Os vírus são modificados em laboratório por meio de engenharia genética”, afirma o pesquisador Bryan Eric Strauss, que coordena o estudo. “Eles perdem a capacidade de se multiplicar e recebem o gene p53, conhecido como ‘guardião do genoma’, pois atua na eliminação de células que ameaçam o organismo.”
Conduzindo genes
De acordo com o pesquisador, o câncer elimina o gene de proteção das células, que ficam vulneráveis, levando ao surgimento de tumores. “Na terapia gênica, o vírus é injetado diretamente na massa tumoral do paciente, onde penetra nas células, introduzindo o p53, o qual ativa outros genes, que irão causar a morte da célula, inibindo o crescimento do tumor”, destaca. “Pesquisas anteriores do Laboratório aprimoraram a terapia gênica, modificando o vírus para que entre com mais facilidade, em um maior número de células, e atue com mais eficiência.”
O estudo combinou a terapia gênica com o vetor do p53 à quimioterapia, realizada com o fármaco cabazitaxel. “O grande problema da quimioterapia é a toxicidade do fármaco no organismo”, aponta Strauss. “Em experimentos com camundongos, a droga controla o tumor, no entanto os animais perdem peso, glóbulos brancos do sangue (leucopenia) e células de defesa (neutrófilos e linfócitos), ficando muito debilitados.”
Em testes com animais, os cientistas descobriam que o p53 colabora com a quimioterapia, parando o crescimento do tumor sem gerar efeitos negativos no organismo. “Quando o gene é introduzido nas células dos tumores, ele coordena a morte celular e sensibiliza as células para o feito da droga”, conta o pesquisador. “Com a terapia gênica, é possível reduzir a dosagem do fármaco a um nível subterapêutico [ou seja, que isoladamente não seria suficiente para controlar o crescimento do tumor] e dessa forma evitar os efeitos adversos.”
Terapias combinadas
Strauss destaca que o próximo desafio dos pesquisadores do laboratório é juntar a imunoterapia à combinação de tratamentos, de modo a ativar as defesas naturais do organismo. “A terapia gênica e a quimioterapia são tratamentos pontuais, e algumas células dos tumores não recebem o vírus com o p53. A ideia é que o próprio sistema imunológico cuide dessas células”, afirma. “A imunoterapia faria esse sistema ‘acordar’, reconhecendo e destruindo células tumorais, e oferecendo uma proteção duradoura contra a progressão de tumores.”
Os pesquisadores avaliam se a terapia combinada é capaz de estimular a resposta imune, funcionando também como imunoterapia. Os testes em seres humanos incluem experimentos utilizando quimioterapia com outras formas de imunoterapia (como, por exemplo, vacinas, introdução de anticorpos ou de proteínas), terapia gênica com quimioterapia ou imunoterapia, e até combinações de imunoterapias. “Os resultados são promissores, mas vai levar um tempo para entender como prever qual tratamento seria o melhor para cada paciente”, conclui o pesquisador.
Os estudos do laboratório tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio de um projeto temático e bolsas de estudo. A pesquisa com cabazitaxel contou com a colaboração da empresa Sanofi, produtora do fármaco, que o forneceu para os experimentos. Os cientistas possuem também o apoio da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Reportagem e texto: Júlio Bernardes