Coreógrafos fazem maratona de improvisos no Jardim Botânico para celebrar a procrastinação
A ideia surgiu de "uma brincadeira entre amigos", sobre a constante falta de tempo para aprofundar a reflexão. Dessa conclusão, nasceu a possibilidade de celebrar a procrastinação numa maratona de improvisos com sete coreógrafos, num jardim de Lisboa.
“A palavra procrastinação, ou o ato de adiar, tem uma carga negativa, mas podia ser usada como provocação”, disse à agência Lusa a coreógrafa e investigadora Sílvia Pinto Coelho sobre este comportamento socialmente mal visto, que será tema de uma maratona de dez horas marcada para 06 de junho, no Jardim Botânico.
Num cenário de árvores, plantas e flores, sete coreógrafos portugueses e estrangeiros – Lília Mestre, Mark Tompkins, Vera Mantero, Jeroen Peeters, Mariana Tengner Barros, João Bento e Sílvia Pinto Coelho – vão chamar a si o improviso, “com percursos, discursos, dança, contemplação, reflexão e meditação, entre as 10:00 e as 20:00.
O projeto germinou em Sílvia Pinto Coelho em 2018, “numa brincadeira com amigos”, e foi concretizado através da Escola de Procrastinação, depois com um Grupo de Leitura, em 2020 – em contexto de pandemia – que partilhava textos sobre “desacelerar, adiar, procrastinar, sabotar, direito ao ócio e à preguiça”, sobretudo no âmbito dos processos criativos.
Inicialmente prevista para 2020, a “Maratona de Procrastinação” foi adiada devido à pandemia, e no seu lugar, Sílvia Pinto Coelho realizou oito entrevistas com criadoras e coreógrafos portugueses, que estão disponíveis na rede social YouTube do Teatro do Bairro Alto.
“Há um processo rico em invenção de desconhecido no ato de protelar, de fazer durar”, salientou a criadora à Lusa, apontando que a “Maratona de Procrastinação” se concentra justamente no papel que pode este comportamento pode ter em processos criativos.
“Sempre que se fazem congressos, conferências e palestras parece que não há tempo e não se aprofundam ideias, estéticas, éticas e políticas. Este tipo de modo de produção não serve a construção de pensamento para o futuro. Não serve a necessidade de construção de relação humana e com a comunidade, sobretudo para o que vem aí”, após a pandemia, considerou a coreógrafa e investigadora no Instituto de Comunicação da Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.
A palavra procrastinação escolheu-a, “não porque goste dela, mas porque, apesar de ter uma carga negativa, e em vez de as pessoas se acusarem umas às outras de procrastinar, merecia ser colocada na visibilidade para ser trabalhada como provocação e para recuperar esse tempo daquilo que se pensa que se sabe, para se descobrir outras possibilidades”, vincou.
“Isto é uma coisa que as pessoas que trabalham na área da improvisação, sejam músicos ou coreógrafos e bailarinos, já têm em conta, ou seja, não fazem o que seria dado como certo, mas dão a possibilidade de outra coisa acontecer, que não se estava à espera”, disse Sílvia Pinto Coelho.
A ideia segue a linha de pensamento a que aderiram alguns criadores nos anos 1990, na área da dança, como, por exemplo, Meg Stuart e Mark Tompkins, que trabalharam num modo de estar em público “totalmente improvisado”, recordou a coreógrafa que, desde 1996, coreografa e participa em processos de pesquisa, pedagogia e em filmes com colaboradores de várias áreas artísticas.
Foram estes criadores que adotaram uma atitude de “arriscar no desconhecido” da improvisação, recordou, por exemplo, sobre trabalhos da criadora norte-americana Meg Stuart, nascida em 1965, em cuja obra esta prática era importante, nomeadamente em “Crash Landing”.
Stuart, que trabalha entre Bruxelas e Berlim, com a sua companhia de dança Damaged Goods, tem vindo a desenvolver novas linguagens coreográficas para cada colaboração com outros artistas de disciplinas diferentes, navegando nas áreas da dança e do teatro.
No dia 06 de junho, o grupo propõe-se pensar, com um conjunto de outros artistas, “nos efeitos de desacelerar, adiar, procrastinar ou sabotar”, num evento de dez horas a acontecer no Jardim Botânico de Lisboa, aberto ao público, seguindo as restrições obrigatórias no quadro da pandemia.
Nesta ação a que chamaram “Encontro Duracional Performativo”, pretendem “descobrir outras possibilidades ligadas ao improviso, à resistência, à escolha, pondo a hipótese de uma escola de liberdade de escolha, procurando alternativas à produtividade, ao ‘burnout’ [esgotamento físico e mental], e à cativação do tempo de atenção ao trabalho”, explicitou a criadora.
Improvisadores, artistas e estudantes na área da dança e da ‘performance’ vão ser convidados a estar presentes na maratona em português e inglês, aberta a todo o público interessado na improvisação.
Fonte: Lusa