Contra a invisibilidade e o racismo, Lúcia Vicente escreveu para jovens o livro “Raízes Negras”
Nelson Mandela, Grada Kilomba, Naide Gomes e Basquiat são algumas das "pessoas negras admiráveis", que a autora Lúcia Vicente retrata no livro para jovens "Raízes Negras", editado este mês.
“O objetivo do livro é oferecer a possibilidade às crianças negras de se reverem nestas personagens. (…) E quis dar uma ferramenta aos pais de crianças brancas para iniciarem uma discussão” sobre desigualdade, racismo e invisibilidade da comunidade negra, afirmou a autora à agência Lusa.
“Raízes Negras – Pessoas negras admiráveis que lutaram pelos seus sonhos e mudaram o mundo”, com selo da Nuvem de Tinta, é um livro informativo com pequenas biografias de cerca de 50 pessoas de várias épocas e contextos, dando visibilidade a escritores, ativistas, políticos, desportistas, artistas.
Cada pequena biografia é acompanhada por um retrato feito pela artista cabo-verdiana Gilda Barros e a sucessão de personalidades segue uma ordem cronológica, começando na história de Lucy, uma ‘australopithecus afarensis’ que viveu na Etiópia há cerca de três milhões de anos, até à ginasta e campeã olímpica norte-americana Simone Biles, nascida em 1997.
Lúcia Vicente recorda-se de ter tomado consciência da invibilidade crónica da comunidade negra no seu quotidiano, quando estava a preparar o livro “Portuguesas com M Grande”, que saiu em 2018.
“Eu ,que sempre achei que era uma pessoa antirracista, quando apresentei a lista à editora, em 42 mulheres, nenhuma era negra. Nesse momento tomei consciência pela primeira vez de quão forte é o racismo estrutural na nossa sociedade”, admitiu.
Foi a partir dessa tomada de consciência que a autora começou a pesquisar, a estar mais atenta à sua linguagem e a tudo o que a rodeia, e a estruturar o livro “Raízes Negras”.
“Surpreendentemente, havia muitas coisas de racismo estrutural na minha linguagem, havia muita falta de reconhecimento perante a luta que as pessoas negras tiveram de fazer”, disse.
“Raízes Negras – Pessoas negras admiráveis que lutaram pelos seus sonhos e mudaram o mundo” conta com prefácio da ativista e deputada Beatriz Gomes Dias, que considera que este livro “revela rostos frequentemente ocultos nos ângulos mortos da hegemonia branca. Não é um livro que dá voz, mas que confirma que as vozes sempre estiveram lá, ontem como hoje”.
É nas últimas páginas, nos agradecimentos, que Lúcia Vicente afirma: “Não escrevi só um livro, reescrevi-me ao fazê-lo”.
Pensado para os mais novos, com uma linguagem acessível, o livro introduz os leitores na vida de personalidades muito distintas: o escritor Alexandre Dumas, a política Alda do Espírito Santo, a artista portuguesa Grada Kilomba, a socióloga Marielle Franco, o futebolista Eusébio, o casal Michel e Barack Obama, a ativista Jaha Dukureh.
Lúcia Vicente considera que o livro pode dar um contributo de discussão, entre pais, educadores, crianças e jovens, sobre a invisibilidade e o preconceito em relação à pessoa negra.
É por isso que “Raízes Negras” conta ainda com um glossário que explica, por exemplo, o que é branquitude, o que se entende por direitos civis, o que é uma pessoa racializada, o que foi o Apartheid, o que significa pan-africanismo.
Lúcia Vicente também aproveita para elucidar questões sobre discriminação de género, nomeadamente sobre homofobia, interseccionalidade e sobre a comunidade LBGTQIA+.
Lúcia Vicente, que nasceu em Faro, em 1979, licenciou-se em História e História Cultural e das Mentalidades e não chegou a concluir um mestrado em Estudos de Género, “por diferenças ideológicas e de pensamentos históricos inultrapassáveis”, como se lê na nota biográfica no livro.
Foi cofundadora do coletivo feminista Mulheres Unidas Pela Igualdade (MUPI) e publicou o primeiro livro para os mais novos em 2018, quando saiu “Portuguesas com M Grande”, pela Nuvem de Tinta.
Fonte: Lusa