Escritor Paulo Coelho decide apoiar festival antifascista vetado pelo Governo do Brasil
O escritor brasileiro Paulo Coelho se ofereceu hoje para financiar um festival de música no Brasil, depois de um departamento do Governo brasileiro lhe ter negado apoio, por o evento se ter declarado antifascista.
“Fundação Coelho & Oiticica se oferece para cobrir os gastos do Festival do Capão, solicitados via Lei Rouanet (145 mil reais ou 24,1 mil euros). Entrem em contacto (…). Única condição: que seja antifascista e pela democracia”, anunciou Paulo Coelho, na sua conta oficial na rede social Twitter.
Os organizadores do festival solicitaram à Fundação Nacional das Artes (Funarte), órgão tutelado pelo Governo central do país, a autorização necessária para aceder a esse dinheiro, através de mecanismos de financiamento previstos numa lei de mecenato, de incentivo à cultura.
Esses mecanismos permitem que empresas, sejam elas privadas ou estatais, obtenham descontos fiscais nas doações para eventos culturais, mas só podem ser utilizados por meio de autorização oficial. Neste caso, a utilização foi negada pela Funarte.
O caso foi denunciado pela própria organização do Festival de Jazz do Capão nas redes sociais, que publicou partes do parecer do passado dia 08 de julho da Funarte, orgão vinculado ao Governo, que recorreu ainda a “Deus” para justificar o veto ao evento.
A Funarte sustentou o parecer negativo com uma publicação do evento nas redes sociais, feita em junho do ano passado, em que se apresentava como “Festival antifascista e pela democracia”. Para a Funarte, a atribuição de financiamento configurava “mau uso do dinheiro público”.
“Localizámos uma publicação do dia 1.º de junho de 2020 [do festiva], com uma imagem, contendo um ‘slogan’ para ‘divulgação’ (…) a qual complementou os fundamentos para emissão deste parecer técnico”, indicou a Funarte.
No parecer a Funarte afirma que, “por inspiração no canto gregoriano, a música pode ser vista como uma arte divina, onde as vozes em união se direcionam a Deus”, e acrescenta que “a arte é tão singular que pode ser associada ao criador”.
Este organismo evoca ainda o compositor barroco alemão Johann Sebastian Bach, mestre de Leipzig, onde morreu, em 1750, que assinava as suas obras com a frase “soli Deo gloria” (“para a glória de Deus”), nomeadamente as suas cantatas sacras, defendendo que “o objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”.
A Funarte concluiu assim que o festival resultaria num “desvio de objeto e risco à malversação do recurso público incentivado com propositura de indevido uso do mesmo”.
A organização do evento lamentou, nas redes sociais, que o parecer se tenha abstido “de analisar características técnicas e a qualidade artística do festival”.
Após a repercussão do caso, o secretário de Incentivo e Fomento à Cultura, André Porciúncula, celebrou a decisão.
“Quer brincar de fazer evento político/ideológico? Então faça com dinheiro privado. A cultura não ficará mais refém de palanque político/partidário, ela será devolvida ao homem comum”, escreveu Porciúncula, no Twitter.
“Toda a militância política da esquerda está em choque (…). Estavam acostumados com os antigos governos, onde a cultura era usada como setor de propaganda partidária”, acrescentou.
Posição semelhante foi defendida pelo secretário especial de Cultura, Mário Frias, que considerou “inacreditável” que se estejam a discutir “os motivos de não se autorizar verba pública da Cultura para um evento que se propõe a falar sobre política, num combate a um fascismo imaginário”.
Fundada em 1975, a Funarte, vinculada à Secretaria Especial de Cultura do Ministério Turismo, é um importante órgão de fomento artístico no Brasil, que tem como missão promover e incentivar a produção, a prática, o desenvolvimento e a difusão das artes e das políticas públicas no Brasil.
Contudo, a direção tem estado envolvida em polémica desde que o atual Governo, presidido por Jair Bolsonaro, tomou posse, em janeiro de 2019.
Desde então, a comunidade artística brasileira tem denunciado uma alegada “guerra contra o marxismo cultural”, lançada pelo Presidente e apoiantes, que declaram ser contra tudo que não se encaixa nos “valores conservadores cristãos”.
Fonte: Lusa