Teatro Aberto mostra “The cradle will rock”, uma sátira contra a corrupção
Uma sátira à corrupção instalada na sociedade norte-americana com a Grande Depressão, “The cradle will rock”, de Marc Blitzstein, mantém atualidade na encenação que estreia na sexta-feira, no Teatro Aberto, em Lisboa.
Com direção musical e interpretação ao piano de João Paulo Santos, encenação e cenário de João Lourenço, o espetáculo é considerado uma “impiedosa sátira [em jeito] ‘brechtiano’” à corrupção nas mais diversas instituições da sociedade e, ao mesmo tempo, um hino de louvor ao trabalho e às pessoas pobres em luta pela sobrevivência, disse João Lourenço à agência Lusa, referindo-se ao período conturbado que sucedeu ao ‘crash’ bolsista de 1929, e que marcou a Grande Depressão dos anos de 1930.
Objeto de censura, que impediu a sua estreia no teatro previsto, o espetáculo acabou, todavia, por subir a palco, apesar de todas as proibições, em 16 de junho de 1937, no Venice Theatre, de Nova Iorque, com encenação de Orson Welles e a interpretação entregue à sua companhia, a Mercury Theatre.
Um espetáculo “épico” que os Estados Unidos da América “sempre tiveram vergonha de mostrar muito” e que agora vai ser “contado, cantado e mostrado” no palco do Teatro Aberto, acrescentou João Lourenço.
Para o encenador e diretor artístico desta sala na Praça de Espanha, em Lisboa, “The cradle will rock” (literalmente, “O berço balança”) constituiu uma “inovação no teatro musical americano”, estabelecendo uma espécie de nova “matriz” neste género, no contexto da modernidade.
João Lourenço, para quem “The cradle will rock”, “talvez seja mais uma ópera do que uma peça de teatro com música”, tem uma história “muito interessante”.
Em 1936, Orson Welles (1915-1985) e Marc Blitzstein (1905-1964), dramaturgo e compositor, estavam a ensaiar a peça para estrearem em Nova Iorque. O espetáculo fazia parte do programa federal New Deal, concebido durante a administração do Presidente Frank Roosevelt, para relançar a economia, respondendo à Grande Depressão.
Como se tratava de um espetáculo muito polémico, porque punha a nu os podres da sociedade – “como se fosse a prostituição de todas as instituições, como a igreja, a universidade, entre outras” -, o estado decidiu proibir o espetáculo, disse o encenador à Lusa.
A peça “é uma denúncia de como as pessoas estavam vendidas na altura”, frisou João Lourenço.
A proibição da estreia do espetáculo levou à mobilização de efetivos do exército, que se colocaram à porta do teatro inicialmente previsto para acolher a estreia (Maxine Elliott’s Theatre, na rua 39, em Manhattan).
Orson Welles e Marc Blitzstein alugaram um teatro uns quarteirões mais a norte, o Venice Theatre, na rua 58, com a 7.ª Avenida, pedindo aos espectadores que os acompanhassem.
Impedidos de subir ao palco inicial, os cantores e atores acabaram por seguir o encenador e o autor, que se sentou a tocar piano, na nova sala, dando corpo a cada um dos números do espetáculo, ora da plateia ora junto ao palco.
Um acontecimento que, segundo João Lourenço, “ficou na história da América”.
Um ano depois, a Mercury Reportory Theatre, de Orson Welles, criaria outro “acontecimento”, com a versão radiofónica de “A Guerra dos Mundos”, de H.G. Wells.
Apresentado no âmbito do programa “Música em Palco”, “The cradle will rock” estará em cena sexta-feira, sábado e domingo, no teatro lisboeta.
Com dramaturgia de Vera San Payo de Lemos, figurinos de Marisa Fernandes e coreografia de Cifrão, a interpretar estão Ana Ester Neves, Diogo Oliveira, João Merino, João Oliveira, Leila Moreso, Marco Alves dos Santos, Mariana Castelo Branco, Mário Redondo, Nuno Dias, Ricardo Panela e Ricardo Raposo.